“Tristeza não tem fim...”
Segundo Susan Sontag no livro Diante da dor dos outros, a iconografia do sofrimento tem uma longa linhagem. Os
sofrimentos mais comumente considerados dignos de serem representados são
aqueles tidos como frutos da ira, divina ou humana. (SONTAG, 2003, p.37). Sabemos que ignorância e
preconceito são armas mortais, e os portadores dessas armas (humanos nada
humanos) são capazes de despertar muito sofrimento, mas que isso, são capazes
de matar.
Dia 24 de fevereiro de 2014, Yoweri Museveni,
presidente da Uganda, promulgou uma lei que trata a homossexualidade como
crime, com possível punição de prisão perpétua. No mesmo dia, foi divulgada uma
lista com o nome de 2OO homossexuais. Lista essa, que foi reproduzida no jornal
Red Pepper , e em sua capa a chamada “EXPOSED!”
As duas notícias, acima, são capazes de
despertar muito sofrimento, muita indignação, e muita dor. Mas, como tristeza
não tem fim, ontem , dia 27 de fevereiro, uma FOTO(abaixo) foi compartilhada
por muitos na internet; a imagem é chocante, triste e desumana. Um homem é
queimado vivo.
Percebemos
que a cena tem plateia: crianças e adultos. Observei a imagem por tanto
tempo, tanto tempo que não saiu da memória; senti uma tristeza tão grande, que
precisava escrever, não só para expressar a dor, mas para reproduzir a
imagem, e tentar conscientizar pessoas nada conscientes. E nesse momento,
estou falando de pessoas que estão aqui (pertinho), pessoas do
meu convívio, amigos de amigos, conhecidos, brasileiros que exalam
preconceito, que fedem como carne podre, carne que somos obrigados a engolir, e
nos fazem morrer de ingestão a cada dia. As pessoas na foto observam, não
o homem, mas o fogo o queimando. Estáticos, parecem ver uma foto, assim
como nós, parecem estar distantes daquela realidade, do fato. Voyers, mesmo
diante da dor alheia, mesmo quando a dor alheia é esfregada na face.
“Um
horror inventado pode ser completamente avassalador(...)Mas, além de choque,
sentimos vergonha ao olhar uma foto em close de um horror real” (SONTAG,
2003.p38), pois nada podemos fazer. Será que não podemos mesmo? Será que essa
realidade, realmente, é tão distante da nossa? Será que você nunca presenciou
um preconceito? Será que se recorda das pouquíssimas vezes que nossa mídia divulgou
a violência, fruto de preconceitos? Será que não somos tão culpados quanto
esses ignorantes? No fundo, somos tão inertes quanto aqueles que sentiram
o fogo que queimava aquele homem.
Esse
corpo não representa somente o ato desumano, o preconceito dos ignorantes, a
violência, a ausência de voz, de liberdade, de direitos humanos. Esse corpo que
queima e sofre é afirmação, é contestação, é emancipação. Esse homem, que agora
é cinzas, nada mais pode fazer, mas é capaz de despertar muitas reflexões, e lutas
para aqueles que não são cegos.
Então,
olhemos essa foto, não esqueçamos dessa imagem. Devemos encarar a foto e a
realidade. Vivemos num país que já deu provas do quanto é preconceituoso.
Lidamos com pessoas ignorantes e violentas, com pessoas más, com
fanáticos religiosos, com justiceiros, com políticos bizarros e imbecis, com
uma corja que nos enoja.
“Dentro
de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos” (Saramago)
Renata Ferreira