A priori, a escrita saramaguiana assusta o leitor
iniciante. Conhecida pelo seu estilo único no qual notamos o uso estratégico da
oralidade e a da técnica do fluxo de consciência, além de frases e períodos
longos cujas regras de pontuação são transgredidas, por exemplo, vírgulas onde
estariam pontos finais, supressão dos travessões nos diálogos, entre outros
recursos. Muitos desistem da leitura, mas para os que persistem a
experiência estética é certa.
A reflexão sobre a experiência do autoconhecimento
e sobre a relação do indivíduo e o meio social permeia o livro O conto da
ilha desconhecida, de José Saramago, publicado inicialmente em 1997. A
versão lida para essa pequena analise foi publicada em 1998 pela Companhia
das Letras, e conta com as aquarelas de Arthur Luiz Piza.
Em O conto da ilha desconhecida, José Saramago nos apresenta um reino cujas portas são nomeadas e carregam alegorias importantes para nossa interpretação. Já os personagens—súditos —não possuem nomes, os substantivos próprios, nesse caso, são substituídos pelas funções que esses indivíduos exercem na sociedade. Com toda sua genialidade, o autor constrói um conto cuja estrutura é muito semelhante às parábolas bíblicas, porém o leitor é convidado a navegar num mar metafórico, crítico e filosófico.
Em O conto da ilha desconhecida, José Saramago nos apresenta um reino cujas portas são nomeadas e carregam alegorias importantes para nossa interpretação. Já os personagens—súditos —não possuem nomes, os substantivos próprios, nesse caso, são substituídos pelas funções que esses indivíduos exercem na sociedade. Com toda sua genialidade, o autor constrói um conto cuja estrutura é muito semelhante às parábolas bíblicas, porém o leitor é convidado a navegar num mar metafórico, crítico e filosófico.
O livro conta a história de um homem singular que
desejava viajar até uma ilha desconhecida— um sonho a ser realizado,
desejo latente e tão forte quanto a vida— , para tal foi ao rei e lhe pediu um
barco. O monarca lhe perguntou como pode saber que essa ilha existe, já que é
desconhecida. O homem insistente argumentou que assim são todas as ilhas até
que alguém desembarque nelas. E nesse diálogo “simples” nos deparamos com o
caráter alegórico e reflexivo da narrativa.
O período histórico retratado no livro, como
puderam notar no parágrafo acima, é do absolutismo monárquico— onde o rei tinha
o poder absoluto. Desta forma, Saramago faz diversas críticas à política, à
sociedade e às problemáticas da época. Sendo esse o primeiro ponto apresentado.
Outro ponto que podemos ressaltar no texto, o mais importante, são os aspectos
existencialistas: o homem e a procura pelo eu perdido.
Sentimentos, questionamentos e vontades que muitos perderam durante o
caminho ou nunca tiveram. Numa leitura corrida, alguns leitores podem achar o
texto óbvio e de frágil estrutura, mas em poucas linhas Saramago narra sobre a
existência humana e vai direito ao ponto, fazendo o leitor atento entender
sua metáfora maior.
Como foi dito, os personagens desse conto não
carregam seus nomes, apenas suas funções e personalidades, temos assim: um
homem que foi até a porta das petições pedir um barco ao rei, a mulher da
limpeza que fugiu do reino pela porta das decisões, um rei que não saia da
porta dos obséquios e deixava seus súditos esperando muito tempo até serem
atendidos (a velha burocracia que conhecemos bem), o capitão, etc. [ Na
minha leitura o barco e a ilha também são personagens desta história].
Outro diálogo que chama atenção é o que ocorre entre o homem e a mulher, neste observamos a metáfora maior exposta pelo autor. Notem que nesta conversa não há travessões e os pontos finais das falas foram substituídos por vírgulas.
Outro diálogo que chama atenção é o que ocorre entre o homem e a mulher, neste observamos a metáfora maior exposta pelo autor. Notem que nesta conversa não há travessões e os pontos finais das falas foram substituídos por vírgulas.
quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem eu sou quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és, O filósofo do rei, quando não tinha o que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo visto que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não saímos de nós (página 40).
Após esse
diálogo, no cair da noite e quando o sono vem, algo acontece no mundo onírico
do homem. A chave para o conto e para a vida do personagem. Boa leitura!
Credenciais do autor
Nasceu em 1922, de uma família de camponeses
da província do Ribatejo, em Portugal. Devido a dificuldades econômicas foi
obrigado a interromper os estudos secundários, tendo a partir de então exercido
diversas atividades profissionais: serralheiro mecânico, desenhista,
funcionário público, editor, jornalista, entre outras. Seu primeiro livro foi
publicado em 1947. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente da
literatura, primeiro como tradutor, depois como autor. Romancista, teatrólogo e
poeta, em 1998 tornou-se o primeiro autor de língua portuguesa a receber o
Prêmio Nobel de Literatura. Saramago faleceu em Lanzarote, nas Ilhas Canárias,
em 2010. A Fundação José Saramago mantém um site sobre o autor www.josesaramago.org