domingo, 11 de maio de 2014

A MÃE DELES MORRENDO E ELES MENTINDO.



Era uma vez cinco filhos que não mereciam ser chamados assim.
Era uma vez cinco monstros.
Começar com Era uma vez, não é coerente, visto que essa história não é uma ficção. 
Há ótimas e lindas histórias para contar no Dia das Mães. Poderia fazer uma homenagem a minha, falar de mulheres fortes, de famílias unidas, mas nesse momento penso numa mãe que não é a minha, e foi uma sofredora. Penso nos filhos dessa mulher, e sinto raiva. Uma vontade imensa de desabafar. Mas, como fui mera voyeur só me resta relatar e despertar reflexões, ou não.
Ela fumava compulsivamente, não comia, não chorava, não dormia, apenas sofria e emagrecia. Eles a observavam, e só davam trabalho. Nenhuma alegria. Mentira, alguns deram netos, ou seja, um pouco de felicidade. Deram roupas para lavar, costurar e passar. Deram desgosto. Não davam amor. E mentiam para todos: “Ela está ótima, e está fumando menos”.
Ela era simples, ignorante, analfabeta, pobre, muito carente e amava imensamente seus filhos. Sofreu muito durante seu casamento; passou fome, mas os educou da melhor maneira que pôde; insistiu que estudassem e tivessem uma vida melhor.
Ela sofria com a vida, um peso que não suportava.  O marido faleceu, e “perdeu” um filho para as drogas.
Mas ainda restam quatro filhos. Certo?
Não.
Restam quatro mentirosos, falsos, hipócritas, quatro voyeurs. Quatro pessoas diante de um sofrimento visível. Diante da dor que não era dos outros, era da própria mãe. Quatro pessoas que causavam muita dor: Dor do abandono, Dor da indiferença, Dor do desamor...Quatro pessoas que estavam tão perto, tão longe.
Queria falar dos quatro aqui, mas confesso que sinto náuseas. Falarei de um. O pior de todos.
O mais novo, que não é tão novo assim.
Fulaninho é um ser desprezível.  Em todas as oportunidades que teve, escondeu sua mãe. Tinha vergonha. Tinha raiva de ser pobre e a culpava.
 Fulaninho virou evangélico, querido entre os amigos da igreja.
 Fulaninho aceitou Jesus e foi batizado. E ela, mesmo sabendo que seu filho a desprezava, desejou muito ver o batismo, porém foi proibida, ele não queria que seus irmãos da igreja a vissem. Ela imaginou que o tal do batismo o ajudaria a ser melhor. Estava enganada. Completamente enganada.
Fulaninho cantava alto músicas evangélicas, e em seguida mandava a mãe se foder. Fulaninho orava alto e em seguida mandava a mãe e seus irmãos tomarem no cu.
Fulaninho conseguiu um emprego, graças a um senhor da igreja, mas não queria ajudar em casa, mesmo sabendo que a mãe fazia uma refeição por dia. Fulaninho comprava roupas novas, comprou até um terno, enquanto sua mãe tinha alguns vestidos rasgados.
Ela não abria a boca, e não pedia ajuda. Nunca admitiu que precisava de ajuda. Nunca admitiu a indiferença do filho. Defendia. Dizia: “Ele é assim mesmo, puxou ao pai”. Dizia: “O cigarro tira minha fome”.
Ela estava fraca. A insensibilidade dos filhos a matava, principalmente a do Fulaninho, o caçulinha.
Eles (os quatro) sempre davam dinheiro para o cigarro, e consideravam isso um carinho. Eram muitos cigarros por dia, e uma tosse horrível. Ela raramente ia ao médico, mas sentia dores fortes no peito, e eles compravam mais cigarros.
Ela foi para o hospital.
Eles não se preocuparam.
Ela ficou em coma.
Recebeu algumas visitas.
Ela morreu.
...
Já que Fulaninho não tem mais mãe, passou a tarefa das roupas para irmã.
E disse: "A vida continua". 

 Renata Foli                              

Um comentário:

  1. Terrível! Sempre defendo a "tese" de que, infortunadamente, somos mais cruéis com aqueles pelos quais ou por aqueles que nos têm amor. Parece uma cilada, uma deformação de caráter que faz com que sejamos - aqui eu me incluo porque, mesmo desprezando as atitudes descritas, e não as cometendo, é claro!rs, somos todos maldosos de alguma forma - mais cruéis com aqueles com quem temos amor afiançado.
    Às vezes, a garantia do amor faz com que nos descuidemos do próprio amor que nos é devotado. Algo como a certeza de que o amor não cessará e a segurança do perdão para toda e qualquer atrocidade.

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