terça-feira, 28 de outubro de 2014

A entrevista que não aconteceu / O último trem/ O último livro / para Lu


A entrevista que não aconteceu estava marcada num local que ele amava, uma biblioteca. Ele, com seus olhos esverdeados vermelhos, não enxergava mais os trilhos da vida, apenas vagava pelas ruas sem pensamentos, e quando os tinha, doía até a alma: abandono, tragédia, morte, perda, desilusões, solidão, desespero, fraqueza. O remédio que escolheu para findar com a mente era barato, conseguia em qualquer esquina ou becos da cidade.
Fugiu sem olhar para trás; deixou filhos, amigos, família, ideais. Transformou-se noutro, perdeu a cor, perdeu a casa, perdeu os sentidos; agora um morador de rua.  E como vagar era sua sina, vagou de SP para ES acompanhado das drogas e da Dor. Foram muitos anos assim, nada aconteceu; dizem por aí que Deus protege.
Vagou do ES para o Rio, cidade de sol, de mar, mas de violência e de tristezas; cidade das oportunidades, mas também do descaso, do preconceito e da humilhação.
Ao chegar aqui, conheceu um espaço que considerou mágico: uma biblioteca. Lá, viciou-se noutra coisa: a leitura. Lia compulsivamente e chamava atenção. Para muitos, era o mendigão que passava o tempo lendo, para outros, um homem recuperando sua mente, seus sentidos, sua vida.
Tomou a decisão que merecia, que precisava...
Fez amizades, transformou olhares, consumia menos drogas, lia mais livros (adorava Agatha Christie), voltou a ter prazer, voltou a ter esperança; desejou um emprego, um local para chamar de seu e reconquistar sua família.
Conseguiu ajuda, afinal lutar contra drogas não é fácil. Mas, ele venceu. Perdeu o medo e encarou uma internação. Alguns meses numa instituição com um único desejo: recuperar-se
 Aprendeu muitas coisas, dentre elas uma profissão e a sonhar com dias melhores.  Falava empolgado do processo de aprendizagem e desintoxicação.
O homem agora tinha face, cor, expressão, mas que isso tinha brilho nos olhos. Tudo pronto para receber alta:  emprego, salário, possibilidade de pagar por um lar, dignidade.
Primeiro dia de trabalho: eis o corpo que levanta, eis a mente que raciocina, eis a esperança que renasce, mas na estação de trem há viagens que não tem volta... vida por um triz...última história: a própria.
A realidade trilha caminhos que nunca poderemos imaginar, e quando menos esperamos nossa história é interrompida, e somos esmagados pelos trens da vida cujos vagões são intermináveis e pesados demais para suportar. Adeus Lu.


Renata Foli


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