A
entrevista que não aconteceu estava marcada num local que ele amava, uma
biblioteca. Ele, com seus olhos esverdeados vermelhos, não enxergava mais
os trilhos da vida, apenas vagava pelas ruas sem pensamentos, e quando os
tinha, doía até a alma: abandono, tragédia, morte, perda, desilusões, solidão,
desespero, fraqueza. O remédio que escolheu para findar com a mente era barato, conseguia em qualquer esquina ou becos da cidade.
Fugiu
sem olhar para trás; deixou filhos, amigos, família, ideais. Transformou-se
noutro, perdeu a cor, perdeu a casa, perdeu os sentidos; agora um morador de rua. E como vagar era sua sina, vagou de SP para ES
acompanhado das drogas e da Dor. Foram muitos anos assim, nada aconteceu; dizem
por aí que Deus protege.
Vagou
do ES para o Rio, cidade de sol, de mar, mas de violência e de tristezas;
cidade das oportunidades, mas também do descaso, do preconceito e da humilhação.
Ao
chegar aqui, conheceu um espaço que considerou mágico: uma biblioteca. Lá, viciou-se
noutra coisa: a leitura. Lia compulsivamente e chamava atenção. Para muitos,
era o mendigão que passava o tempo lendo, para outros, um homem recuperando sua
mente, seus sentidos, sua vida.
Tomou
a decisão que merecia, que precisava...
Fez
amizades, transformou olhares, consumia menos drogas, lia mais livros (adorava Agatha
Christie), voltou a ter prazer, voltou a ter esperança; desejou um emprego, um
local para chamar de seu e reconquistar sua família.
Conseguiu
ajuda, afinal lutar contra drogas não é fácil. Mas, ele venceu. Perdeu o medo e
encarou uma internação. Alguns meses numa instituição com um único desejo:
recuperar-se
Aprendeu muitas coisas, dentre elas uma
profissão e a sonhar com dias melhores. Falava empolgado do processo de aprendizagem e
desintoxicação.
O
homem agora tinha face, cor, expressão, mas que isso tinha brilho nos olhos.
Tudo pronto para receber alta: emprego,
salário, possibilidade de pagar por um lar, dignidade.
Primeiro
dia de trabalho: eis o corpo que levanta, eis a mente que raciocina, eis a
esperança que renasce, mas na estação de trem há viagens que não tem volta...
vida por um triz...última história: a própria.
A
realidade trilha caminhos que nunca poderemos imaginar, e quando menos esperamos
nossa história é interrompida, e somos esmagados pelos trens da vida cujos
vagões são intermináveis e pesados demais para suportar. Adeus Lu.
Renata Foli
Que fim triste para um recomeço!
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