domingo, 26 de junho de 2016

Crônica da semana: Cabe na palma da mão



A fila chegava à central do Brasil. Voyeurs observavam aqueles que carregavam nas costas o peso da sobrevivência, o peso do desprezo social. Tratava-se de alumínio, de todos os tipos e tamanhos, inclusive desses que espalhamos pela cidade. Fotografias, vídeos, flashes iluminavam a grande linha humana e metálica. Os indivíduos eram fortes, e na face um falso sorriso de que tudo daria certo. A vida passa, a fila anda e o riso se desfaz ao olharem para balança; resultado da espera: moedas que cabem na palma da mão não alimenta.



                                                                                                                          Renata Ferreira

sábado, 25 de junho de 2016

The Fundamentals of Caring

A estreia mundial do filme The Fundamentals of Caring aconteceu nesta sexta-feira (24), pela Netflix. Uma road trip, cuja “aventura” difere das quais estamos habituados. O longa é baseado no livro The Revised Fundamentals of Caregiving (2012), de Jonathan Evison. 

Numa narrativa psicológica e frágil, temos um drama com pinceladas de humor. Trevor (Craig Roberts) foi abandonado pelo pai aos 3 anos de idade, período no qual recebeu o diagnosticado de Distrofia muscular de Duchenne, uma doença hereditária, degenerativa e sem cura. Assim, Trevor vive numa cadeira de rodas, e faz tratamento para amenizar os sintomas da doença. Opta pela resignação, mesmo podendo ser mais ativo. Rotina: quarto, sala, banheiro, dois weefles e uma salsicha todos os dias, até conhecer Ben (Paul Rudd).  Esse estava paralisado emocionalmente, com a maior perda da sua vida[ não se preocupem, não darei Spoiler]. Perda essa que não sai da mente; flashs memorialísticos o desestabilizam e tiram o ar; além dessa tristeza, não consegue aceitar o divórcio.

 Em crise, Ben abandona a carreira de escritor e inicia um curso de acompanhante. Lá, mandamentos considerados fundamentais para lidar com os pacientes são ensinados: “pergunte, escute, observe, ajude e pergunte de novo. Pois a regra fundamental ao cuidar de alguém é dar assistência e não se apegar demais”. Trevor, seu primeiro paciente, demonstra, de cara,  rudeza e desrespeito, mas isso não dura muito e num dado momento a amizade acontece.  

Trevor guardava em seu quarto um mapa com várias anotações de lugares que gostaria de visitar, mas que nunca tentou, pois além do medo, tinha  uma mãe que acreditava que ele morreria no caminho. Com o apoio de Ben, os dois fazem a tão sonhada viagem, um passeio simples, um roteiro um tanto sem noção, baseado em programas toscos que Trevor via na TV, porém libertador para o adolescente.

 No meio do caminho encontram Dot (Selena Gomez), uma jovem que após perder a mãe e não ter um bom relacionamento com o pai, decide encarar a estrada em busca dos sonhos. Os três seguem viagem juntos; Trevor se apaixona por Dot; outros personagens aparecem e novas histórias surgem.


O filme descreve a psicologia de cada personagem e suas complexidades. Mas, o ponto mais sensível liga-se a simplicidades das escolhas. “Nessa jornada, surge um forte elo, mostrando que pequenas coisas podem engrandecer a vida de uma pessoa”.

Apesar da história ser boa, o filme não tem originalidade, um tanto corrido. As emoções e vidas dos protagonistas poderiam ser mais esmiuçadas, desenvolvidas; o espectador sabe o que está acontecendo mas sente falta de cenas que explorem mais a psicologia de cada personagem; faltou informação, faltou entrega, faltou aquele encaixe perfeito entre a história, roteiro e atuação.


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Aproveito o texto para listar alguns filmes de road trip que gosto.;



Renata Ferreira

sábado, 18 de junho de 2016

Crônica: Face to face é coisa do pretérito


Se há alguém que ama estar diante da janela, horas a fio, sem comer, sem dormir, e indo poucas vezes ao banheiro, esse é o homem contemporâneo. Admirável homem novo, cérebro superdotado, uma visão de raio x, uma mistura de The Vision com Superman, capaz de apreciar cada detalhe desse mundão. 

 De quando em quando precisa de óculos, mazela inevitável até para um super-herói, pois a vista cansa, não importa a idade; as óticas lucram (alguém sempre lucra). Como um ser racional e inteligentíssimo viciou-se nessa que deveria ser parceira, mas o aprisiona num presídio de segurança máxima, ou não tão máxima assim, assemelhando-se a um labirinto, cuja maior parte do tempo é desperdiçada. 

Esse homem, espertíssimo, carrega a janela como se fosse um novo membro, implantado em seu corpo pela tecnologia de outros homens, mais sagazes ainda (sempre há alguém mais esperto). Pela manhã, a luz da janela não o incomoda, ao contrário, o despertar é certo; são tantas informações primordiais nas primeiras horas do dia, que a dificuldade para acordar foi para o espaço (que bom, afinal vantagens são essenciais nas escolhas).  O dia começa e o homem segue com a sua melhor companhia: na mesa do café da manhã, no transporte, no trabalho (entre uma advertência e outra, pois não há concentração); no almoço; na volta para casa, defecando, na mesa de jantar etc.

 Veja bem, ainda há muitas opções e tamanhos de janelas, o que é perfeito para adequação e momento. Então, basta o cara escolher uma rede, sentar e viajar. São tantos os benefícios que fica difícil listá-los aqui, em síntese, pode-se dizer que é tudo muito prático e ainda evita a fadiga. 

Exemplos das utilidades e ganhos:   pode-se ter um milhão de amigos que sentam na sua calçada de vez em quando, na verdade raramente; pode-se falar sobre a vida, sobre política e o sobre país, e realmente acreditar que falar por horas,  sem nenhum conhecimento e reproduzindo discursos,   bastará para resolver alguma coisa; pode-se gritar o vocabulário do momento como: impeachment, golpe, direita, esquerda, fascismo, inquérito etc , sem entender bulhufas ; pode-se ser homofóbico, machista, e pedófilo e se sentir protegido e impune;  pode-se tentar resolver problemas familiares; pode-se tentar uma conciliação com a esposa que está na janela do outro quarto; pode-se acenar para os amigos de longa data e acreditar que está presente na vida deles...

 E isso tudo, pasmem, virtualmente. Face to face é coisa do pretérito.

Renata Foli


terça-feira, 17 de maio de 2016

Crônica (vivida) da semana: Insônia



1h25 da manhã, ainda é cedo para falar de insônia? Talvez. Mas o corpo e a mente sabem o que acontecerá nas horas seguintes. Os olhos não fecharão, as olheiras gritarão e a ansiedade acordará. Essa virá sem controle, como criança sem limites. Uma espécie de entidade espiritual que fala através do corpo. Esse, perderá a força, e obedecerá. Comerá o que não deve, beberá o que não aprecia, se drogará com aquele alimento cuja matéria-prima é o cacau, ou ainda, se entupirá com a bebida produzida com os grãos do fruto cafeeiro. Mas a boca continuará seca, seca, entende? Os pensamentos perderão o rumo, como se estivessem num mar revolto, cuja ressaca inundará os olhos e alma. Transbordarei. De quando e quando a entidade (ansiedade) relaxará, momento no qual lerei ou escreverei abobrinhas incolores.  As coisas, mesma as pigmentadas, perderão as cores durante o distúrbio. Logo, peço perdão aos lindos poemas lidos durante a madrugada, ou melhor aos poetas. Bom, neste momento vou perdendo a capacidade de escrever, se é que a tenho. Ela chega. 

Renata Foli

terça-feira, 26 de abril de 2016

Crônica: Tempo tempo tempo





Quer saber duma coisa: os desencontros são cruéis. Quer ser feliz? Encontre tempo para família, para os amigos, para aquela pessoa que conheceu ontem mas parece que é amigo de infância, para curtir o filho, o namorado, o marido, e todo mundo. Quer saber doutra coisa: quer ser feliz? Invista em você, trabalhe muito, estude muito, faça cursos de extensão, cuide da saúde; já foi para academia hoje? No final de semana tem que estudar para o concurso; e o novo idioma? Já está dominando? Não tem tempo? Arrume, dê um jeito, você é inteligente, cheio de vida. E a poupança? Está guardando dinheiro para o futuro? Que futuro? O seu, que será maravilhoso. Está sem tempo para conciliar amigos, trabalho, estudo? Tem que conseguir. Não quer ser feliz? E aquela colega do antigo trabalho que você adorava? Vocês ainda se falam? Tinham tanto em comum. E a sua melhor amiga? Já tem 2 meses que não se veem. E o seu marido? ele disse que você nem liga mais para o casamento. Ainda o ama? Ele está numa carência só, vai procurar outra, hein! O seu filho ficou doente, pode vir para casa? Ainda não? Mas, por quê? Tem muito trabalho ainda aí? Mas, seu filho. Deixa, vou dar um remédio aqui para passar a febre. Sua tese está pronta? E a planilha que tem que entregar para o financeiro amanhã, está ok? Ligou para sua mãe hoje? E a faculdade, quando termina? E aquele livro de poemas que ia fazer, ainda não terminou? Quer saber, não sabe lidar com tempo. Isso é falta de responsabilidade ou de competência? Tem gente que consegue fazer tudo e muito bem. Não acredita? Tem sim. É, talvez você tenha razão, o tempo e a vida são ingratos, conhecemos pessoas maravilhosas e não conseguimos vivê-las. Mas tudo bem, não precisamos ser capitalistas: menos trabalho, mais tempo para os amigos e família. E o aluguel, já pagou esse mês? Não estava no aniversário do Pedro. Fazia hora extra? Quer ser feliz? O que é ser feliz? É ter tudo isso, ora. Não acredita, o que pensa sobre a felicidade. Está cansado demais para responder? Acorda, já são seis da manhã: tem que ir para academia, trabalho, curso, faculdade. Não esqueça que amanhã é sábado e tem dois textos para entregar. É bom revisar bem, mandaram o revisor embora. Por que? Só sabia revisar. Domingo tem que terminar aquele livro. Tem que jantar com seu namorado, aniversário de namoro, lembra? Não dará tempo? Ah fique só 1 hora na companhia do seu amor. Durma cedo. Segunda, o despertador toca às 5h.


Renata Ferreira

segunda-feira, 25 de abril de 2016

PALAVRAS DE (DES)ORDEM/ POR JULIANA CARVALHO


19 não é 20


19 não é 20. E não é mesmo. O azeite está custando R$ 20, e levei para o mercado R$19. A inscrição para o concurso literário é R$40, para estudante universitário fica por R$ 20, juntando as moedas tem R$19,20. Manicure R$20, e só a mão hein. Melhor amolar o alicate e comprar uns esmaltes com os R$19. O site submarino tem livros na promoção. Qualquer um por R$19,99. É, não deu. 

Pois é, ter aquele diploma de universidade pública e o CR 9,9, não garante um bom emprego, às vezes nem um emprego. Ficar em primeiro lugar em todos os concursos de poesia na escola, não garante aquela publicação na editora que tanto almeja. Escrever bem nas redações escolares e na faculdade, não garante aquela coluna. 

É, a teoria não é a realidade. Sua geração não é a mais inteligente e com mais oportunidade. Seu orientador pode te desorientar. A saúde que sempre teve pode desmoronar.
É, você pode perder mesmo tendo tudo para ganhar. Você pode amar e não ser correspondido. Você pode ter filhos e não curtir ser mãe ou pai. Vestir-se em cores alegres, mas ser uma cor triste. Ser uma ótima advogada, lutar pelos direitos de todos, mas esquecer dos seus. Ou ainda ser uma ótima psicóloga, dar conselhos maravilhosos e não seguir nenhum. 

É, você pode ter mais de 20, e agir como uma criança de 10. E iss
o pode ser muito bom para algumas coisas e destruir outras em sua vida. Pois é, aquele relacionamento de 19 anos pode acabar antes de completar os 20.
É, nem tudo segue como planejamos. “É o rio da vida correndo”. Saber nadar pode impedir ou não um afogamento. Ás vezes, é preciso estender a mão e pedir ajuda.
Tem R$ 1 aí?


Renata Foli

sábado, 12 de março de 2016

Olhares...





Um corpo que mergulha em Quissamã
Corpos que caem como chuva dum prédio no Maracanã
Ou da ponte mais alta da cidade....
A covardia do ser? Ou a coragem de ser?
Desejo comum dos corpos que caem.
A palavra de oito letras não cabe no noticiário
Não sai da boca, não entra em discussão
A presença ausência dribla os olhares desinteressados
E corpos caem, pulam, envenenam-se
a doença cresce sem rumo,
Por toda parte, ao nosso redor
Mas os olhares desinteressados ....

Renata Foli