Se há
alguém que ama estar diante da janela, horas a fio, sem comer, sem dormir, e
indo poucas vezes ao banheiro, esse é o homem contemporâneo. Admirável homem
novo, cérebro superdotado, uma visão de raio x, uma mistura de The Vision com
Superman, capaz de apreciar cada detalhe desse mundão.
De quando em quando precisa de óculos, mazela
inevitável até para um super-herói, pois a vista cansa, não importa a idade; as
óticas lucram (alguém sempre lucra). Como um ser racional e inteligentíssimo viciou-se
nessa que deveria ser parceira, mas o aprisiona num presídio de segurança
máxima, ou não tão máxima assim, assemelhando-se a um labirinto, cuja maior
parte do tempo é desperdiçada.
Esse homem, espertíssimo, carrega a janela como
se fosse um novo membro, implantado em seu corpo pela tecnologia de outros
homens, mais sagazes ainda (sempre há alguém mais esperto). Pela manhã, a luz
da janela não o incomoda, ao contrário, o despertar é certo; são tantas
informações primordiais nas primeiras horas do dia, que a dificuldade para
acordar foi para o espaço (que bom, afinal vantagens são essenciais nas
escolhas). O dia começa e o homem segue
com a sua melhor companhia: na mesa do café da manhã, no transporte, no trabalho
(entre uma advertência e outra, pois não há concentração); no almoço; na volta
para casa, defecando, na mesa de jantar etc.
Veja bem, ainda há muitas opções e
tamanhos de janelas, o que é perfeito para adequação e momento. Então, basta o
cara escolher uma rede, sentar e viajar. São tantos os benefícios que fica
difícil listá-los aqui, em síntese, pode-se dizer que é tudo muito prático e ainda
evita a fadiga.
Exemplos das utilidades e ganhos: pode-se ter um milhão de amigos que sentam na
sua calçada de vez em quando, na verdade raramente; pode-se falar sobre a vida,
sobre política e o sobre país, e realmente acreditar que falar por horas, sem nenhum conhecimento e reproduzindo
discursos, bastará para resolver alguma coisa; pode-se gritar
o vocabulário do momento como: impeachment, golpe, direita, esquerda, fascismo,
inquérito etc , sem entender bulhufas ; pode-se ser homofóbico, machista, e
pedófilo e se sentir protegido e impune; pode-se tentar resolver problemas familiares;
pode-se tentar uma conciliação com a esposa que está na janela do outro quarto;
pode-se acenar para os amigos de longa data e acreditar que está presente na
vida deles...
E isso tudo, pasmem, virtualmente. Face to face é coisa do
pretérito.
Renata Foli
Renata Foli
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